Tenho prestado mais atenção ao que está ao meu redor. Talvez seja esse um dos motivos para a demora em transformar mais um raciocínio em palavras escritas. As coisas não estão indo bem. Na verdade, toda vez que decido mudar o espaço onde compartilho meus devaneios, nada está bem.
Janeiro de 2024
27 anos. Quando eu era adolescente, pensava muito em como os ídolos que eu curtia sempre morriam com essa idade. Aquela velha galera do grunge, do rock dos anos 60. Também pensava se eu chegaria lá. Pensava muito sobre a morte, mergulhada num poço melancólico que só a adolescência é capaz de criar. Bobagem.
Mas uma coisa é certa: minha mãe sabia bem o que dizia. Ela sempre me dizia que, depois dos 18, o tempo voaria... levando consigo as memórias que juramos nunca esquecer, os acordos e desacordos feitos pelo caminho, os encontros e as despedidas forçadas. Levando um pedaço da vida que realmente não volta. Clichê? É. Mas verdadeiro.
Continuei no jornal. Acho que nunca nem escrevi sobre isso. Entre julho e setembro de 2023, tive a oportunidade de vivenciar um pouco do dia a dia num estágio de verdade. Achei que sabia escrever — até chegar lá. Achei que entendia muito de fotografia — até chegar lá.
Maio de 2024
Nessa brincadeira, vi os meses passarem. Mas as coisas ficaram mais pesadas depois de abril. Sendo bem sincera? Foi aí que caiu a ficha: eu tinha me tornado adulta. Sempre soube que já era uma mulher adulta, mas aceitar a ideia era outra história. E quando não havia mais ninguém para cuidar de tudo, chegou a minha vez.
Nesse meio tempo, me vi questionando, mais uma vez, minha religiosidade, sempre em confronto com o que é do homem, não do espírito. E quando digo homem, refiro-me, sim, ao homem. Porque são sempre eles. Sempre. São eles que buscam poder através do abuso psicológico. São eles que crescem escondendo, atrás de si, uma mulher, uma pessoa LGBTQIA+, e assim por diante. Quantos são eles?
The Sun
Peste bubônica, câncer, pneumonia
Õ Blesq Blôm é, para mim, um dos álbuns de maior referência poética.
Das memórias que ainda me restam da infância, uma das mais nítidas é meu primeiro contato com a interpretação de uma letra musical. Passava muito tempo com minha tia Regina, quando ainda morávamos na chácara. A sala de sua casa tinha um sofá gigante de couro marrom escuro, onde eu adorava escorregar pelo encosto. Foi numa tarde — não lembro o dia nem a data — que estávamos no quarto dela. Havia uma cama de madeira com lençol xadrez azul ou verde, onde a cabeceira ficava bem junto à janela. Uma estante cheia de coisas, incluindo esmaltes que eu transformava em bonecos, e, num canto, o toca-discos com sua coleção de LPs. Amo essas memórias da infância ligadas à arte.
Regina tinha, felizmente, o Õ Blesq Blôm. Naquela tarde, com a música Flores tocando ao fundo, ela parou e me perguntou se eu entendia o que era cantado. Sem esperar resposta, explicou: “É um velório.” Foi essa imagem que me veio à cabeça quando soube da notícia: Regina foi diagnosticada com leucemia. Foi o primeiro choque relacionado à morte que este ano me deu. Felizmente, ela não se foi. Mas, pouco depois, minha tia Cidinha foi diagnosticada com câncer de mama. Ainda luta — e já venceu muitas batalhas!
Pouco tempo depois, tia Amélia partiu. Sem aviso, sem despedidas, levou consigo um pedaço do meu padrasto. Apesar de nos ter em casa, ele se sentia cada vez mais sozinho. Eu fazia de tudo para agradá-lo, mas sem sucesso.
Enquanto isso, meus autoquestionamentos sobre a vida e a religiosidade caminhavam em paralelo. Nunca me adaptei à igreja, mas o que promete ser mágico e encantado sempre despertou meu interesse. O mundo espiritual, invisível a nós, também esconde suas manipulações. E é preciso estar atento: homens não detêm o poder absoluto. Libertar-se é necessário.
O diagnóstico de minha mãe veio, mesmo eu acreditando que nada aconteceria. Ele chegou como um golpe no estômago e nunca mais foi embora. Angústia, dores pesadas, cansaço. Meu padrasto, seu José, também se entregou ao luto e à depressão. A morte tem suas próprias fases, e cada um a vive de maneira diferente.
Antes de tia Amélia, tia Olinda partiu, mas ao menos veio se despedir. Enquanto eu e seu Zelão trabalhávamos fora, ela nos visitou, deixou abraços para todos e, três horas depois, recebemos a notícia: havia falecido. Três meses depois, foi a vez de seu esposo, seu Dito, partir sem aviso, na casa de sua filha Sandra.
A morte de tia Amélia, presumimos, veio dessa perda. Sua melhor amiga se foi, e o que lhe restou? Seu Zelão, então, não demorou. No início de julho, decidiu seguir o mesmo caminho.
5 de julho de 2024
Era uma sexta-feira. Zelão tinha uma consulta de retorno. Mais de um ano antes, tropeçara na calçada voltando da igreja, sofrendo uma queda que fraturou seu fêmur direito. Passei por cirurgias, curativos e consultas ao seu lado. Um ano depois, precisou remover a placa, mas a recuperação foi difícil. Idade avançada, doenças crônicas, luto e depressão acabaram vencendo.
7 de julho de 2024
Um domingo estranho. Sandra, minha prima, veio visitar Zelão. Ficamos no quarto, ouvindo orações ao fundo. Quando ela se foi, parei na porta do quarto dele e comentei: “Não sabia que a Sandrinha falava em línguas.” Sorrindo, ele respondeu: “Nem eu.” Naquele dia fiz um bolo de fubá. Ele comeu bem e dormiu.
10 de julho de 2024
Já passava das 4h da manhã quando minha mãe entrou em desespero no quarto:
— Aline, ele morreu!
Foi a única palavra que consegui dizer: “Morreu?”. Levantei, abracei minha mãe e tentei acalmá-la. Em segundos, revi nossos 17 anos juntos. Parei na porta e lá estava ele: sereno, gelado. Foi um dia traumatizante, mas, como adultos, às vezes não podemos nos permitir o luxo do trauma. Fiz tudo o que precisava ser feito e senti novamente a dor de minha mãe. Parte dela também se foi naquele dia.
Minha prima Sandra, apesar de pertencente à CCB, sonhou com a morte de Zelão naquela noite. Dois meses antes, eu também já havia sido avisada.
Dói. Como dói.
5 de novembro de 2024
Como um sopro leve, a morte levou meu tio Sérgio. Meu maior arrependimento? Não ter documentado sua vida sob sua própria ótica. Mas uma certeza fica: seu bom humor, mesmo diante de tudo, era inabalável.
Olho para trás e penso: de que valeu tanto conhecimento, tantas histórias e convivências, se o que havia de mais bonito se foi sem que eu percebesse?
Quando mais precisei de colo, só restaram as vozes na minha cabeça dizendo para continuar.
Ainda pulsa e ainda é pouco. Assim!
Não há sabor melhor do que o da liberdade. Liberte-se, é sério.
☆ 07/01/2019 - ✞ 22/10/2024